sábado, 12 de março de 2016

O Silêncio do Vaso

Fonte da imagem: Google
Com um olhar vazio 
Contemplo o espaço diante de mim.
Olho para a flor no vaso sobre a mesa e
a vejo morta e bela.
E condeno quem a matou,
e contento-me com sua morte.


A beleza da flor completa-se com o vaso,
simples e mudo.
O vaso não é mudo.
Nenhum vaso é mudo.
Pois é o mesmo quem anuncia a beleza da flor.
A flor sim é muda.
Se não o fosse gritaria por socorro quando morta
pelas mãos brutais e delicadas de alguém.


O vaso não é mudo, ele fala.
Para ouvi-lo é preciso ser místico.
Sendo místico pode-se conversar com as pedras,
com os vasos, com as plantas...
Eu gosto do misticismo.
Pois aprecio a magia simples.


Na casa onde moro
não tem fundos nem quintal.
É uma casa pequena dividida em duas partes.
Em uma parte medito, noutra guardo meus pensamentos.


Recordando a criança que fui
vejo um menino de pés descalços e
um brinquedo nas mãos.
Correndo nos rios e comendo frutas esquecidas nos pés.
Quando se é menino, o mundo lhe pertence.
Mesmo que nada seja duradouro,
parece ser infinito.
Crescer não é preciso.


Atrás da casa donde moro,
corre um rio. Da janela posso vê-lo.
As vezes fico à sua beira e jogo-lhe pedrinhas.
O ato de jogar pedrinhas no rio é fascinante.
Pequenas ondas se espalham formando círculos
pequenos,... médios,... grandes...
Quem joga pedrinhas no rio
aproveita-se o tempo que se tem.
Aproveita-se o tempo ou foge-se dele.


Quando acaba as pedrinhas
corro para dentro de casa e escolho um livro.
Volto para a beira do rio e ponho-me a ler poesias.
Leio como se o rio me ouvisse.
E num gesto de gratidão ele vem molhar-me os pés.
E eu brinco com o rio chacoalhando suas águas.


Atrás da casa donde moro passa um rio solitário.
Solitário e triste.
Triste como as tardes de sextas-feiras,
solitário como as manhãs de domingos.
Diz a lenda que Dom Quixote bebeu de suas águas.
Eu acredito na lenda.
A mesma é a essência de vida de quem narra.


Quando me sinto triste e só,
ponho-me a caminhar numa estrada imaginária de
terra batida pelos pés de solitários que ali
estiveram antes.
Paro de vez em quando para ouvir um pássaro
qualquer cantando em uma árvore morta e esquecida.


Quando chega as tardes tristes de sextas-feiras,
pego um livro de versos e
leio para pessoas imaginárias.
E contento-me com isso.
E contento-me quando escrevo versos
movido por uma inspiração vinda
não se sabe de onde.
E as tardes tristes vão embora, e chega a noite em silêncio.
E eu adormeço sentado à mesa.
E as pessoas imaginárias,...
São apenas pessoas imaginárias.


O rio que corre atrás de minha casa
é o meu melhor amigo.
Ele leva meus pensamentos para longe,
e as pessoas que bebem de sua água
sabem meus versos.
E bebo de sua água também,
e sei versos que não me pertencem.
E meu coração de menino aprisionado ao
peito de um velho
faz-me viver de lembranças, entoando
cantigas em uma roda de ciranda
formada por crianças...
O meu olhar vazio, contemplando o espaço,
a flor e o silêncio do vaso...



Paulinho Dhi Andrade
10/08/2007


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